UNIVERSIDADE  PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS
FACULDADE DE MEDICINA
EUTANÁSIA
 
Clarissa Almeida Teixeira de Carvalho
Daniela de Paula Pinto
Fabiana Orlando Domingos
Fabiano Condé Araújo
Helen Christine Rocha
Marcelo Soares da Cunha Peixoto
 
Setembro    -    1998
 
 
ETIMOLOGIA DO TERMO EUTANÁSIA

 O termo Eutanásia vem do grego, podendo ser traduzido como "boa morte" ou "morte apropriada". O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra "Historia vitae et mortis", como sendo o "tratamento adequado as doenças incuráveis". De maneira geral, entende-se por eutanásia quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca, delibitada ou em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria utilizada para evitar a distanásia( morte dolorosa, agonia lenta, antônimo de eutanásia). Tem sido utilizado, de forma equivocada, o termo ortotanásia para indicar este tipo de eutanásia. Esta palavra deve ser empregada no seu real sentido de utilizar os meios adequados para tratar uma pessoa que está morrendo.
 O termo eutanásia é muito amplo e pode ter diferentes interpretações. Por exemplo, no século XIX, os teólogos Larrag e Claret, em seu livro "Prontuários de Teologia Moral", publicado em 1866, utilizam eutanásia para caracterizar a "morte em estado de graça".
 

 
BREVE HISTÓRICO DA EUTANÁSIA
 
 Diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beria do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e bocas obstruídas com o barro. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem. Na própria Bíblia tem uma situação que evoca a eutanásia, no segundo livro de Samuel.
 A discussão a cerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia vem desde a Grécia Antiga. Por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Em Marselha, neste período, havia um depósito público de cicuta a disposição de todos. Aristóteles Pitágoras e Hipócrates, ao contrário, condenavam o suicídio. No juramento de Hipócrates consta: "eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo". Desta forma a escola hipocrática já se posicionava contra o que hoje tem a denominação de eutanásia e de suicídio assistido.
 Estas discussões não ficaram restritas apenas a Grécia. Cleópatra VII (69aC-30aC) criou no Egito uma "Academia" para estudar formas de mortes menos dolorosas.
 A discussão sobre o tema, prosseguiu ao longo da história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas More(Utopia), David Hume(Of suicide), Karl Marx(Medical Euthanasia) e Schopenhauer. No século passado, o seu apogeu foi em 1895,na então Prússia, quando, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la.
 No século XX, esta discussão teve um de momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de exemplos de relatos de situações que foram caracterizadas como eutanásia, pela imprensa leiga, neste período. O Prof. Jiménez de Asúa catalogou mais de 34 casos. No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, mas também no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935. Na Europa, especialmente, muito se falou  de eutanásia associando-a com eugenia( ciência que se preocupa com o estudo e cultivo de condições que tendem a melhorar as qualidades físicas e morais de gerações futuras).Esta proposta buscava justificar a eliminação de deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis. Nestes casos, a eutanásia era, na realidade, um instrumento de "higienização social", com a finalidade de buscar a perfeição ou o aprimoramento de uma "raça", nada tendo a ver com compaixão, piedade ou direito para terminar com a própria vida.
 Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta sua proposta serviu, posteriormente, de base para  o modelo holandês. O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através  da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente seja a primeira regulamentação sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente. A doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925, serviu de base para a legislação uruguaia.
 Em 1954, o teólogo episcopal Joseph Fletcher, publicou um livro denominado "Morals and Medicine", onde havia um capítulo com título "Euthanasia: our right to die". A Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser contra a "Lei de Deus". O Papa Pio XII, numa alocução a médicos, em 1957, aceitou, contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário a utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis, por exemplo. Desta forma, utilizando o princípio do duplo efeito, a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente.
 Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária à eutanásia. Em 1973, na Holanda, uma médica, Dra. Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe. Foi condenada, com uma pena de prisão, suspensa, de uma semana, e liberdade condicional por um ano. Em 1981, a Corte de Rotterdam estabeleceu critérios para o auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica Holandesa e o Ministério da Justiça estabeleceram  uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentando o profissional de procedimentos criminais. Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzi-la no Código civil da Califórnia/EEUU. Nestes mesmo ano a Igreja Católica, através de uma  Carta do Papa João Paulo II  aos bispos, reiterou a sua posição  contrária ao aborto e a eutanásia, destacando a vigilância que as escolas e hospitais católicos  deveriam exercer na discussão destes temas. Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia. No Brasil existe um projeto de lei no Senado Federal (projeto de lei 125/96) sobre este assunto.
 
 
 
PONTO DE VISTA RELIGIOSO
 
 
Igreja Judáica

 "O Judaísmo proíbe categoricamente a eutanásia ativa(administrar uma droga para antecipar a morte), pois ela é vista como um verdadeiro homicídio. No caso da eutanásia passiva(a morte é apressada por interrupção do tratamento), embora ela não seja livremente permitida, também não é todo condenada. O Judaísmo afirma incondicionalmente a santidade da vida. Entretanto, quando a vida se torna vegetativa, a "santidade" da mesma pode ser questionada. Em casos extremos, quando o sofrimento  inútil está sendo prolongado por meios artificiais, quando a vida nem é mais vida, a eutanásia passiva pode eventualmente ser válida", disse o rabino Henry I. Sobel, da Congregação Isreaelita Paulista.
 Na tradição judaica, explica ainda Sobel, Deus é considerado o "supremo poder da cura", enquanto o médico é visto como um agente de Deus a serviço da humanidade. A lei judaica, portanto, endossa a decisão do médico, que naturalmente depende das circunstâncias específicas de cada caso. Confiando na sua competência profissional e nos ditames da sua consciência, o Judaísmo dá a palavra final ao médico de preferência de acordo com o rabino.
 

Igreja Católica

 Do ponto de vista dos teólogos morais católicos, o "não" absoluto é reservado à eutanásia  ativa, sendo aceito que os meios de prolongamento da vida artificial, da vida vegetativa, podem ser interrompidos quando a razão e o bom-senso o aconselham, ou seja, quando não há vantagem para o doente permanecer no território indefinido que separa  a vida da morte.
 Segundo o Papa João Paulo II: "Por eutanásia, em seu sentido verdadeiro e próprio, deve-se entender uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte com o objetivo de eliminar o sofrimento". (Evangelium Vitae,nº 65)
 

 
TIPOS DE EUTANÁSIA

 Atualmente a eutanásia pode ser classificada de várias formas, de acordo com o critério considerado.

Quanto ao tipo de ação:
 
  Eutanásia ativa ou positiva: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos.
  Eutanásia passiva ou indireta ou negativa: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento.
  Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal.

Quanto ao consentimento do paciente:

  Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente.
  Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do paciente.
  Eutanásia não voluntária: Quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela.

 Esta classificação, quanto ao consentimento, visa estabelecer, em última análise, a responsabilidade do agente, no caso o médico. Foi proposta por Neukamp, em 1937.
 Historicamente, a palavra eutanásia admitiu vários significados. Destacamos, a título de curiosidade, a classificação proposta na Espanha, por Ricardo Royo-Villanova, em 1928:

  Eutanásia súbita: morte repentina;
  Eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e progressivo do envelhecimento;
  Eutanásia teológica: morte em estado de graça;
  Eutanásia estóica: morte obtida com a exaltação das virtudes do estoicismo;
  Eutanásia terapêutica: faculdade dada aos médicos para propiciar uma morte suave aos enfermos incuráveis e com dor;
 Eutanásia eugênica e econômica: supressão de todos os seres degenerados ou inúteis(sic);
  Eutanásia legal:  aqueles procedimentos regulamentados pela lei.

 No Brasil, também em 1928, o Prof. Ruy Santos, na Bahia propôs que a eutanásia fosse classificada em dois tipos, de acordo com quem executa a ação:

  Eutanásia homicídio: quando alguém realiza um procedimento para terminar com a vida de um paciente.
       Eutanásia homicídio realizada pelo médico;
      Eutanásia homicídio realizada por familiar.
 
  Eutanásia suicídio: quando o próprio paciente é o executante. Esta talvez seja  a idéia precursora do  Suicídio assistido.
 
Finalmente, o Prof. Jiménez de Asúa, em 1942, propôs que existem, a rigor três tipos:

  Eutanásia libertadora: aquela realizada por solicitação de um paciente portador de doença incurável, submentido a um grande sofrimento;

  Eutanásia eliminadora:  realizada em pessoas, que mesmo não estando em condições próximas da morte, são portadoras de distúrbios mentais. Justifica pela "carga pesada que são para suas famílias e para a sociedade".

  Eutanásia econômica: realizada em pessoas que, por motivos de doença, ficam inconscientes e que poderiam, ao recobrar os sentidos sofrerem em função de sua doença.

 Estas idéias bem demonstram a interligação que havia nesta época entre a entanásia e a eugenia, isto é, na utilização daquele procedimento para a seleção  de indivíduos ainda aptos ou capazes e na eliminação dos pacientes e portadores de doenças incuráveis.
 

PONTO DE VISTA MÉDICO
 
Juramento Médico

 "Na presença do Todo-Poderoso e perante a minha família, os meus mestres e os meus colegas, juro cumprir, na medida das minhas forças e de acordo com minha consciência, este juramento e compromisso.
 Terei por todos os que me ensinaram esta arte a mesma estima que tenho pelos meus pais e, com o mesmo espírito de entrega, partilharei com outros o conhecimento da arte médica. Serei diligente em manter-me ao corrente  dos progressos da Medicina. Atenderei, sem exceção, todos os que solicitarem os meus serviços, sempre que não o impeçam os meus deveres para com outros pacientes, e pedirei conselho a colegas experientes, quando assim o requeira o bem dos meus pacientes.
 Seguirei o método terapêutico que, segundo a minha capacidade e recto entender, considere o melhor para bem do meu paciente, e abster-me-ei de toda a ação ou omissão, com intenção direta e deliberada de pôr fim a uma vida humana. Terei  o máximo respeito por toda a vida humana, desde a fecundação até à  morte natural e não admitirei o aborto intencional que destrua uma vida humana irrepetível.
 Em pureza, santidade e bondade, guardarei minha vida e praticarei minha arte. A não para evitar com prudência em perigo em perigo iminente, não tratarei nenhum paciente nem realizarei qualquer investigação num ser humano sem consentimento válido e informado do sujeito ou do seu competente tutor legal, entendido por bem que a investigação deve ter por finalidade favorecer a saúdo do interessado. Em qualquer lugar em que entrar para atender um paciente, irei pelo bem do enfermo e abster-me-ei de todo o agravo intencional ou de corrupção, e jamais seduzirei um paciente.
 Tudo o que, por razão da minha prática profissional ou sem relação com ela, possa ver  ou ouvir dos meus pacientes e não deva transparecer, não o divulgarei, consciente e que deverei guadrar segredo de tudo isso.
 Enquanto mantenha inviolado este juramento, seja-me concedido viver e praticar a arte e a ciência da Medicina com a bênção do Todo-Poderoso e o respeito dos meus  colegas e da sociedade. Mas se quebrar e violar este juramento, que caia sobre mim o contrário do que disse".
 

 A  tradição hipocrática tem acarretado que os médicos e outros profissionais de saúde se dediquem a proteger e preservar a vida. Se a eutanásia for aceita como um ato médico, os médicos e outros profissionais terão  também a tarefa de causar a morte. A participação na eutanásia não somente alterará o objetivo da atenção à saúde, como poderá influenciar, negativamente , a confiança para com o profissional, por parte dos pacientes. A Associação Mundial de Medicina, desde 1987, na Declaração de Madrid, considera a eutanásia como sendo um procedimento eticamente inadequado.
 
 

PONTO DE VISTA JURÍDICO
 

 No Código Penal Brasileiro, a eutanásia passiva enquadra-se como crime previsto no artigo 135, intitulado omissão de socorro; uma vez que não há menção específica a tal prática em nosso aparato jurídico. Segundo este artigo, é crime "deixar de prestar assistência", quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública; sob pena de detenção de um a seis meses, sendo esta aumentada da metade se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave e triplicada, se resultar a morte. No projeto da Parte Especial do Código Penal, o 3º do art. 121 aduz: "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, conjuge ou irmão". Este projeto deixa lacunas quanto às seguintes indagações: Com a evolução das técnicas médicas, como afirmar ser a morte inevitável?
 No Código Penal vigente a figura da eutanásia não aparece explicitamente. Ela é considerada um homicídio. A Comissão de "Alto Nível", constituída por Iris Rezende, porém , deseja fazer duas coisas. Primeiro separar a eutanásia do homicídio. Segundo, dar à eutanásia uma pena menor ( de quatro a dez anos de prisão) que a do homicídio comum.

Código Penal  :  Art.  121 -  " Matar alguém. Pena  -  reclusão de seis a vinte anos .
" Parágrafo 1 0  - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral , (...), o Juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço".
 
 

Art.  122 -  " Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxilio para que o faça. Pena  - reclusão de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ".
 
 

EUTANÁSIA NO CANADÁ

 TORONTO. O fazendeiro canadense Robert Latimer, de 44 anos, foi condenado a dois anos de prisão ontem por causar a morte de sua filha Tracy, de 12 anos. Latimer havia sido condenado à prisão perpétua, mas a sentença foi revista. Ele virou símbolo do debate sobre a eutanásia ao confessar ter provocado a morte de sua filha, que sentia fortes dores devido a uma paralisia cerebral.
 Foi a primeira condenação de um assassino à pena mínima pela Justiça canadense. Depois de um ano de prisão, Latimer poderá cumprir o outro ano em liberdade condicional, em sua fazenda.
 O juiz disse que a prisão perpétua seria uma punição cruel e incomum. Latimer fora condenado em 1994 por homicídio em segundo grau, sem direito a recorrer da sentença em dez anos. O veredito foi, porém, revisto pela Suprema Corte porque a polícia havia questionado jurados sobre a atitude deles diante da morte por piedade, o que é ilegal.
 Mês passado, houve uma segunda condenação por homicídio em segundo grau, em que o júri recomendou tolerância em relação ao réu. No Canadá, juizes têm autoridade para rever sentenças se acharem que estas não estão de acordo com o código de direitos humanos do país.
 Enquanto sua mulher e seus três filhos estavam numa Igreja, Latirem levou Trace para fora de casa durante uma nevasca e a observou morrer em sete minutos. Tracy não podia andar, falar ou comer sozinha, pesava menos de 18 quilos e tinha idade mental de três meses. O caso acirrou debates entre defensores da eutanásia e grupos que lutam por direitos de pessoas inválidas. A decisão de ontem abrirá um debate sobre a lie canadense.

Publicado em O Globo 02/12/1996 p.70
 
 
CASO ROBERT DENT
 

 Robert Dent, 66 anos, carpinteiro, natural e residente em Darwin/Austrália, com câncer de próstata desde 1991, estava anêmico e emagreceu 25kg, foi a primeira pessoa na mundo a obter uma autorização para eutanásia com ampara legal.
 Morreu, após conversar e almoçar com sua esposa, utilizando injeção letal no dia 22/09/96.

Correio do Povo 27/09/96:12
 
 
CASO DIANE-QUILL

 O Dr. Timothy Quill atendeu por muitos anos a uma paciente, chamada Diane, de 45 anos, e a sua família. No início da década de 1990, esta paciente recebeu o diagnóstico de leucemia mielocítica aguda. Após conversar com a família e seu médico, ela recusou ser tratada através de quimioterapia, pelos riscos e desconfortos que poderiam ocorrer em função deste procedimento. Ela estava plenamente capaz e todas as alternativas para alviar o seu sofrimento foram discutidas e rejeitadas. Ela solicitou a ajuda do médico para se suicidar.
 O Dr. Quill, já havia defendido o direito dos pacientes decidirem sobre os seus tratamentos e de poderem morrer com o máximo de dignidade e controle possível, em vários artigos. Ele aceitou participar do suicídio da sua paciente. Ele que forneceu os barbitúricos que a paciente utilizou. Ela se preparou para o momento de tomar a medicação, usando as roupas que mais gostava e despedindo-se dos familiares. O Dr. Quill foi chamado e deu o atestado de óbito, afirmando que a paciente havia morrido de leucemia aguda.
 O caso foi levado para a Justiça do estado de Nova Iorque e o Dr. Quill e o júri não o incriminou pelo ocorrido. Posteriormente, em janeiro de 1997, a segunda instância da Justiça nova-iorquina afirmou não haver diferenças entre não implantar ou retirar uma medida terapêutica e auxiliar um paciente a cometer seu suicídio. Em 26 de junho de 1997, alterou este raciocínio, afirmando que "existe uma importante diferença entre suicídio assistido e não iniciar ou retirar um tratamento de suporte vital, uma distinção reconhecida tanto por profissionais da Medicina como do Direito". Alguns dos mais renomados bioeticistas, tais como Beauchamp e Childress, acham que a atitude do Dr. Quill não foi errada. A sua conduta, em um caso dramátido como este, foi adequada.

Bibliografia do Dr. Timothy Quill e sobre as repercussões do caso Diane.
 
 
 
CASO DEBBIE

 Um residente de Ginecologia, que estava de plantão em um grande hospital privado norte-americano, foi chamado a meia-noite, para atender uma paciente de 20 anos, em estágio terminal, com câncer de ovário. A paciente não respondeu à quimioterapia e estava recebendo apenas medidas de suporte. Ela estava acompanhada da mãe quando o médico chegou. Há dois dias que não conseguia comer ou dormir. Estava com 34 kg de peso corporal e com vômitos freqüentes. "Debbie" disse ao médico, que não a conhecia até este momento, apenas a seguinte frase: "terminemos com isto". O médico foi até a sala de enfermagem e preparou 20 mg de morfina. Voltou ao quarto e disse às duas mulheres que iria dar uma injeção que possibilitaria a debbie descansar e dizer adeus. A paciente nada disse, nem sua mãe. Em 4 minutos a paciente morreu. A mãe se manteve erguida e pareceu aliviada.

Anônimo. Its over, Debbie. Jama 1988;259(2):272.
 
 
 
ARGUMENTOS A FAVOR DA EUTANÁSIA

 Os argumentos a favor da eutanásia se fundamentaram ma magnitude do sofrimento e no direito de autoderteminação e da livre escolha da paciente de decidir como e quando morrer. Alguns destes argumentos serão descritos.

Respeito ao direito de autodeterminação

 Aceitar a solicitação de eutanásia seria respeitar o princípio de autodeterminação do paciente sobre o seu corpo e sua vida. Seria, portanto, um aumento, ao invés de uma diminuição, do respeito pela vida humana. Nesta linha de raciocínio filosófico-utilitarista, é moralmente contraditório permitir ao paciente recusar tratamento que prolongue sua vida e, ao mesmo tempo, negar-lhe o direito de solicitar a eutanásia.

Respeito ao alívio do sofrimento

 A eutanásia seria a oportunidade de se lidar mais humanamente com o problema da sofrimento prolongado e sem sentido. Pois constituiria uma atitude mais humana praticá-la do que forçar o paciente a continuar uma vida de sofrimento insuportável, para o qual não existe alívio ou terapia disponível.

Crença religiosa

 Para muitos pacientes, a vida após a morte (conceito espiritual da vida) faz com que a morte não seja vista como um fim, e sim como o começo de uma vida melhor. A morte nesses casos não só é aceita como passa a ser bem-vinda, quando, por exemplo, ocorre no contexto de uma doença incurável que acarreta sofrimento insuportável.

Insensibilidade médica

 Pacientes procurando conforto em seu morrer não podem ser vítimas da incapacidade ou falta de coragem do médico em se responsabilizar por decidir sobre o assunto. Os médicos têm o dever moral de discutir situações éticas difíceis, mesmo quando
elas tenham de ser confrontadas com seus valores a respeito do significado e importância da vida.
 O dilema em relação à eutanásia é especialmente vivenciado por médicos que lidam com pacientes debilitados e com poucas chances de vida. Entre estes profissionais, destacam-se os oncologistas, neurologistas e neonatologistas. Os pacientes acometidos por essas entidades freqüentemente são submetidos às avançadas tecnologistas e têm suas vidas prolongadas, mais do que o esperado, por meses ou anos. Porém chega um momento em que toda essa tecnologia começa a falhar, o paciente fica cada dia mais doente e, ao invés da remissão prolongada da sua enfermidade, começa a sentir um sofrimento prolongado. Se não fossem as sofisticadas intervenções, o paciente teria morrido mais rapidamente. Agora ele está com dores, mutilado, sofrendo a angústia do morrer lúcido, orientado, e pede para apressar o seu fim. O que fazer? Esta é a questão formulada  ao médico que o levou a tal estado.
 
 

ARGUMENTOS CONTRA A EUTANÁSIA

 Os argumentos contra a eutanásia se baseiam na santidade da vida, bem como nas conseqüências destruidoras do núcleo social, caso fosse considerado o tabu existente que não permite ao médico matar o paciente, ainda que com o objetivo de aliviar o seu sofrimento. A eutanásia seria um passo em direção ao abismo cuja conseqüência seria um total desrespeito à vida humana.
 

Risco sócio-político

 Como política de saúde, a eutanásia é inaceitável em razão da probabilidade ou inevitabilidade da eutanásia involuntária. Ou seja, se criaria a possibilidade de pessoas serem "eutanizadas" contra o seu consentimento. Existem quatro maneiras possíveis de isso ocorrer. Na Holanda, há relatos de pacientes vulneráveis de serem submetidos à eutanásia "secreta", ou seja, sem o seu consentimento. A segunda probabilidade é a ocorrência da eutanásia "estimulada", ensejando que pacientes cronicamente enfermos, ou com doenças terminais, sejam estimulados, ou pressionados, a decidir pela eutanásia, como forma de aliviar a carga de sofrimento e a ocorrência de gasto financeiro da família. O problema é potencialmente mais grave em países em desenvolvimento, onde poucos são os que têm acesso aos serviços de saúde, ou, se o possuem através do seguro saúde, estão limitados pelas restrições de suas apólices. Não se pode esquecer o estímulo à eutanásia por parte de herdeiros inescrupulosos.
 A terceira possibilidade seria a ocorrência da eutanásia "discriminatória", permitindo que grupos mais frágeis e menos favorecidos -econômica, política e fisicamente (deficientes físicos e mentais, alcoólatras, aidéticos, viciados em drogas, idosos e crianças)- sejam coagidos a "requerer" a prática. Isto seria ainda mais freqüente em sociedades em que a discriminação é comum, o que elevaria particularmente o risco de esses grupos serem submetidos a este procedimento. Finalmente, poderia ocorrer a eutanásia, ou seja o surgimento de situações em que haveria um substituto para solicitar a eutanásia no caso de pacientes incompetentes.
 Assim, mesmo que medidas salvadoras  fossem implantadas, elas não iriam eliminar totalmente estes riscos. Numa época em que a saúde possui um alto custo, numa época de injustiças sociais, degradação moral e relativismo ético, a eutanásia, como parte da política de saúde, deve ser condenada.
 

Risco sócio-cultural

 O tabu contra o homicídio é tão grande em nossa sociedade que só abdicamos dele em três situações: guerra, autodefesa e execução judicial por pena de morte. Benrubi ilustra claramente este aspecto ao dizer que, "quando policiais roubam, bombeiros ateiam fogo, ou soldados atacam  civis, a matriz social se dissolve". O mesmo aconteceria se os médicos matassem. Como o público entenderia o papel do médico, se ele salva, mas também tira a vida?

Risco à integridade moral da medicina

 Além de ser um risco social, a eutanásia viola normas básicas da medicina. Ela põe em questão a própria essência da profissão médica. Há centenas de anos, médicos em todo o mundo juram não matar ao recitarem os mandamentos de Hipócrates. E talvez este seja um dos mais importantes motivos para os pacientes confiarem a esses profissionais suas vidas. A eutanásia destrói a confiança do público nos médicos, eliminando a caracterização desse profissional, cuja missão é combater a morte, promover a cura e aliviar o sofrimento. A eutanásia é, portanto, uma ameaça à integridade moral da profissão, pois os médicos devem prolongar, e não encurtar a vida, e os pacientes não podem ter dúvida quanto a esta função.

Crença religiosa

 Para a maioria das religiões, a proibição contra o término intencional da vida humana é tão grande que a eutanásia não deveria sequer ser cogitada. Segundo os cristãos, Deus dá a vida, e só Ele pode tirá-la.
 Misbin exemplifica a posição da Igreja Católica. Para os católicos, é permitido ao médico administrar morfina ao paciente para aliviar sua dor, mesmo que isso apresse sua morte. Mas iniciar o tratamento com doses elevadas de morfina não é permitido porque a intenção, neste caso, seria a morte, e não o alívio da dor.
 
 

EXPERIÊNCIAS EM ALGUNS PAÍSES
Experiência da Holanda e China

 Embora oficialmente proibida e tecnicamente ilegal, a eutanásia é tolerada pelo governo liberal-democrata holandês, e abertamente realizada com o apoio da opinião pública. O médico que a pratica não será processado desde que obedeça  aos critérios estabelecidos pela Associação Médica da Holanda. Estes critérios são quatro:
 .o paciente deve ser legalmente capaz, excluindo-se, assim, crianças, pessoas com retardo mental, distúrbios psiquiátricos e pacientes comatosos;
 .o paciente deve ter um sofrimento físico ou mental de excepcional gravidade, sem nenhuma perspectiva de alívio, embora não necessariamente seja portador de doença terminal;
 .o paciente deve requerer, por escrito, consistente, repetida e voluntariamente, a eutanásia; tais requerimentos devem ser bastante documentados, com a supervisão de pelo menos duas testemunhas independente;
.o paciente deve ser examinado, no mínimo, por um outro médico não envolvido nem seu tratamento.

Obedecidos estes critérios, estima-se que ocorram entre 5 a 8 mil mortes anuais na Holanda, devido à eutanásia. O método escolhido é em geral, o sono induzido por barbitúrico, seguido por uma injeção letal de curare.
Nos hospitais chineses a eutanásia é praticada em recém-nascidos. Devido à preocupação com o crescimento populacional, aos casais chineses é permitido ter apenas um filho. Por conseguinte, muitas crianças anormais são abandonadas nos berçários e, considerando-se que o governo não tem condições de cuidar delas, muitas são mortas nos hospitais. Ressalte-se que, em virtude da inexistência de um maior intercâmbio científico e da sensibilidade do tema, não é muito conhecido o sistema ou prática de eutanásia na China.

Em outros países

 Nos Estados Unidos, na França, Grã-Bretanha, na Escandinávia e na Suíça já existem  correntes de opinião  que defendem a prática da eutanásia.
 Os médicos franceses em sua maioria - 81% dos clínicos ouvidos pela revista "Tonus", em pesquisa realizada em setembro de 1984 - defendem a eutanásia ativa ou a passiva para os casos considerados clinicamente perdidos. Muitos deles declararam ter auxiliado pacientes, sem nenhuma esperança de cura, a morrer. Mas esclareceram se opor a qualquer prática que não considere a vontade do paciente, seja para prolongar a vida, ou acelerar a morte.
 Na Inglaterra e Alemanha já existem clínicas especializadas em ajudar portadores de doenças incuráveis a morrer. Nos EUA, uma pesquisa realizada n o meio médico demonstrou que 40% dos entrevistados defendem a liberdade do paciente  decidir se quer abreviar a vida e 30% declararam que ajudariam nesse sentido se o pedido partisse do doente. Na Suíça, a população de Zurique se manifestou, através de plebiscito, em setembro de 1977, favorável à prática de eutanásia ativa para os casos de "enfermidade incurável, dolorosa e definitivamente fatal".
 Quando da tentativa do plebiscito pró-eutanásia na Califórnia, EUA,  em 1988, 70% do eleitorado eram favoráveis à sua aprovação, embora nem tenha chegado a ocorrer, uma vez que apenas 130 mil das 450 mil assinaturas necessárias foram obtidas. Em 1991, no Estado de Washington, EUA, foi proposta a chamada "Initiative 119", com o objetivo de se permitir a participação do médico na morte de um paciente que, consciente e mentalmente capaz, assim o solicitasse. Dados da Associação Americana de Hospitais estimam que muitas das seis mil mortes diárias nos EUA são de alguma forma planejadas por pacientes, familiares e médicos. Na Itália, um país de forte tradição católica, a eutanásia é defendida pelo Congresso Bioético  de Milão, uma associação privada e leiga.
 
 

O DIREITO DE MORRER
Caso de inglês que voltou a se comunicar depois de oito anos em coma reacende polêmica sobre eutanásia

 Falar em eutanásia sempre foi motivo para que uma explosiva polêmica se instale. No final de março, no entanto, de 1990, surpreendente caso de um jovem inglês que voltou a se comunicar depois de 8 anos  em coma profundo foi o estopim para que a discussão se tornasse ainda mais acalorada. Andrew Devine, 30 anos, sofreu graves lesões cerebreais durante um tumulto entre torcidas do Liverpool e do Nottigham Forest ocorrido em 1989, no estádio de Sheffield, na Inglaterra. Depois de um longo período no hospital, ele foi levado para casa, onde ficou  sob os cuidados da família. Hoje, o rapaz se comunica por meio de um botão no qual um toque significa "sim" e dois "não". No Brasil, a mineira Zenália de Oliveira, 74 anos, acordou em 12 de novembro de 1996 de um sono profundo de sete anos. Tinha sofrido um aneurisma, passou por duas cirurgias e foi condenada  a uma vida vegetativa. Hoje, voltou a falar e tem uma rotina normal em Montes Claros. Para quem  é contra a eutanásia, as reações de Devine e Zenália transformaram-se em poderosos argumentos. "Se houvesse eutanásia na Inglaterra, esse rapaz já estaria morto", acredita o advogado Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. Especialista em Direito Penal, critica a prática com veemência por entender que a medicina ainda não tem a palavra final e que a indução à morte poderia se transformar em um perigoso instrumento." Haveria sempre um manto de desconfiança em casos em que o cônjuge deseja se livrar do outro para ficar com um amante", afirma.
 O advogado não está sozinho na sua posição. Na Austrália, a eutanásia, que havia sido regulamentada no ano de 1996, acabou sendo revogada. No Brasil, além de ser considerada homicídio, também não é vista com bons olhos pela maioria dos médicos. Esta eutanásia repelida pela comunidade médica é aquela muito parecida com a praticada,  por exemplo, pelo médico americano Jack Kevorkian, conhecido como o "doutor morte" por ter inventado a "máquina do suicídio". Formada por tubos de ensaio repletos de substâncias que, quando misturadas, tornam-se letais, a mistura ajuda pacientes com doenças terminais a morrerem mais rapidamente. Isto é o que a maioria de médicos, juristas e a Igreja condenam: a indução à morte. Essa é uma situação bastante diferente de casos em que médicos e familiares optam por suspender o chamado "suporte avançado da via", um conjunto de atos médicos, medicamentos e tecnologia capaz de manter vivo ou, em muitos casos, apenas adiar  a morte de um paciente. Atitude sem dúvida difícil, a suspensão costuma ser recomendada nos casos em que o paciente, de fato, não tem mais nenhuma chance de vida. O exemplo mais comum é um doente de câncer em estágio terminal que entrou em coma pela própria gravidade de seu estado. "Poderíamos prolongar a sua vida por mais um período. Ele morreria em paz em uma semana ou depois de sofrer por 40 dias", explica o médico intensivista Flávio Maciel, chefe da UTI de adultos do PAS-12, em São Paulo, e presidente da Sociedade Paulista de Terapia Intensiva.
 Nesses casos, até mesmo a Igreja empresta seu apoio à suspensão do tratamento. "Interromper um procedimento médico honeroso, extraordinário e desproporcional aos resultados esperados pode ser legítimo", opina o padre Fernando Altemeyer Jr., vigário de comunicação da Arquidiocese de São Paulo. Embora aos olhos leigos pode parecer difícil  distinguir  um caso em que há chances de reversão do coma de outro completamente perdido, os médicos acreditam que a tecnologia e a experiência podem favorecer uma resposta bastante precisa. Um estado de coma provocado pela falência de múltiplos órgãos e sistemas, por exemplo, tem sempre um prognóstico ruim. Afinal, nesses casos, causados  por traumatismos violentas, infecções graves e generalizadas ou processos malignos como o câncer, nenhum órgão está mais funcionando razoavelmente. "Quem tem Experiência sabe que este quadro não vai mudar", explica Renato Terzi, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Além de tentar abreviar o sofrimento do paciente, o que também se leva em consideração na hora de decidir a oportunidade de manter um paciente como esse em um leito da Unidade de Terapia Intensiva(UTI) é questionar até que ponto vale a pena manter um lugar ocupado com uma pessoa que não tem mais chance de vida. Mas para os que fecham questão contra a eutanásia, mesmo atitudes como essa podem, em última instância, ser consideradas um crime contra a vida. Suspender o tratamento a alguém que vai morrer  mais cedo ou mais tarde, no entanto, não é considerado eutanásia como a que pratica o "doutor morte" nem por quem o adota nem por outros estudiosos do assunto. "Nesses casos interromper o tratamento é o reconhecimento de uma situação em que nada mais há de ser feito", acredita o desembargador paulista Olavo Silveira.
 Nos casos em que  ainda há esperança, no entanto, a prática é manter o paciente vivo a partir da utilização de todos os recursos tecnológicos possíveis, mesmo que o doente esteja em estado de coma. Isso porque há vários comas que são reversíveis. "Só se pode pensar em suspensão de tratamento quando há falência  dos órgãos", afirma o cirurgião Quirino Cotti, defensor do procedimento nesses casos. "Somos favoráveis a que se  desligue os aparelhos em situações de morte encefálica", completa Waldyr Mesquita, presidente do Conselho Federal de Medicina. Mas mesmo nos casos de manter vivo um paciente em coma com chances de recuperação há controvérsia. A pergunta que se faz é qual será a qualidade de vida que ele terá. "A lei privilegia a autonomia do doente. Alguém perguntou ao jovem inglês se ele quer viver dessa forma?", indaga Renato Terzi. "A vida não precisa deste sentido utilitarista. Ela é vida enquanto se está vivo", rebate o advogado D’Urso.

ISTOÉ  16 de abril de 1997
 
OPINIÕES
"Morrer com dignidade  é saber que tudo foi feito em favor da vida".
                                                                    Jozéf Féher,cardiologista
"Se a Medicina não prolonga a vida em vida, para quê prolongar a morte?"
"A vida só vale se existir dignidade. Viver como um amontoado de órgãos não é vida".
                                                                    Carmita Abda,psiquiatra
"O médico vai até o ponto onde ele cura, depois tem de ter a humildade de saber que não pode mais avançar".
                                                                    Caio Rosenthal,infectologista
"Eu chamo homicídio uma atividade que mata uma pessoa contra a sua vontade. Eu chamo de eutanásia ativa uma atividade que ajuda uma pessoa morrer conforme sua vontade, seu pedido, expresso ainda em boas condições de saúde ou nos últimos momentos de vida".
                                                                    Padre Hubert Lepargneur
"Não pedi  e não escolhi de quem, por que, onde e quando nascer. Da mesma forma não posso decidir quando, como, onde, de que e por que morrer."
                                                                              Roberto Freire
"É chocante e até irônico constatar situações em que a mesma sociedade que negou o pão para o ser humano viver, oferece-lhe a mais alta tecnologia para ‘bem morrer’."
                                                                   Léo Pessini,padre camiliano
"Os médicos não são senhores da vida, não são capazes de criar vida do nada e não têm o direito de tratar a vida como se fosse nada. Deve-se acima de tudo, respeitar as limitações da medicina".
                                                  Dr. Evaldo D’Assumpção, cirurgião plástico
 
 
ENTREVISTAS
Entrevista concedida ao nosso grupo pelo Padre Nicolau , da matriz de Nossa Senhora da Piedade-Barbacena.

1)  A Igreja Católica é contra a qualquer tipo de Eutanásia. Qual a sua posição pessoal frente a esse assunto?

Padre:   Minha opinião pessoal é contra. Pois a Eutanásia é contra a vida e não temos o direito de tirá-la.
 O Papa escreveu numa Encíclica contra a prática da Eutanásia e do aborto e devemos, como católicos, segui-la.
 Do mesmo modo, devemos seguir o V Mandamento da Lei de Deus, que é "Não Matar ". Segundo a Teologia e a Moral, é um erro tirar a vida de alguém.

2)  Mesmo se o paciente estiver sofrendo muito e sem chance de cura, não deve ser feita a Eutanásia?

Padre :  É um ponto delicadíssimo. Existem alguns padres mais modernos, que aceitam a Eutanásia nestes casos.
 Porém, eu sigo a Encíclica do Papa que a condena. Por exemplo, se uma criança nasce monstruosa, é dever do padre batizá-la e respeitar sua vida, sem preconceitos, independente de ser normal ou não.
 Assim como é dever do médico preservar a vida do seu paciente, é dever do padre seguir os ensinamentos de Deus do Evangelho e da Bíblia.

3)  O senhor não acha que pessoas que ficam anos ligados a aparelhos, sem perspectivas de cura, poderiam estar prejudicando outros pacientes, que não são internados por falta de leitos?

Padre : Não se pode permitir um mal, para se fazer o bem. Por exemplo, não se pode realizar uma festa pecaminosa para arrecadar donativos para os pobres.
 Não podemos salvar a todos temos que salvar salvar quem chegou primeiro, quem Deus nos mandou primeiro. A falta de leitos para todos, precariedade da saúde é causada pelo descaso do Estado para com a sociedade.

4)  O Senhor tem algum caso para nos contar?

 A Rússia antiga incendiava os hospitais com os leprosos dentro, a fim de exterminar a vidas dessas pessoas, que não tinham condição de contribuir para a sociedade.
 " Uma vez, cheguei ao hospital e encontrei uma moça que dizia querer se suicidar, não queria  mais viver. Então, levei minha palavra amiga e tentei reanimá-la. Ela chorava muito. Depois de muito conversar com ela, ela disse que queria se confessar. E após longo diálogo a convenci que Deus encontra respostas para todos os problemas, que a vida é bela e devemos preservá-la.".
 

Entrevista concedida ao grupo pelo Juiz Dr. Ênio Marcos Fernandino.

1)  A prática da Eutanásia é considerada crime. Quais as penas previstas para cada tipo de Eutanásia? (Quando for Homicídio ou Indução ao Suicídio por exemplo).

Juiz :  A prática da Eutanásia é um délito, um crime penal, o qual não se confunde com homicídio ou suicídio.

2) Deve-se fazer a Eutanásia em casos terminais ou se deve esperar o avanço da Medicina  a procura de uma cura?

Juiz : Não; A função do médico é salvar a vida. Enquanto há esperança à vida, ele não deve ver o estado do paciente como um próprio desafio, e é através desse desafio que a Medicina avança no sentido de enriquecer o ser humano. Por pior que seja o caso, deve-se procurar uma solução.

3) Há casos em que os pacientes recuperam-se depois de vários anos em " Coma " (sono profundo). Em contrapartida, esses doentes ocupam o lugar de outros que poderiam ter sido salvos, dê seu parecer.

Juiz : A atual sociedade é hipócrita. A Medicina inumeras vezes, deixa de lado sua principal finalidade que é salvar vidas e toma um rumo mercantilista. A Sociedade Médica deve honrar o juramento e não deve existir portanto a frase: " fulano não tem mais cura ".

4)  O nosso código Penal é de 1940 e não trata especificamente de Eutanásia. Há um Anteprojeto de Lei que traz como novidade, um parágrafo específico sobre a Eutanásia; Qual a sua posição?

Juiz : Sou terminantemente contra à legalização. Ninguém pode definir se a pessoa se recuperará ou não. A responsabilidade de decidir se deve terminar com a vida de alguém, não cabe a um Juiz ou Médico. Deus deu a vida e só Deus pode tirar.

5)  Há casos, em que a família do doente pede a autorização jurídica para realizar a Eutanásia. Qual a sua posição?

Juiz : O Juiz não tem autoridade para deferir um pedido de Eutanásia, pis se o fizer estará indo contra o Código Penal. E no meu caso contra os princípios morais e religiosos. Eu posso julgar fatos mas não posso julgar sua consciência.
 

Entrevista concedida ao grupo pelo Presidente do Centro Espírita Araquem, Altamir Zonzim.

1)  Qual a posição da Doutrina Espírita em relação à prática da Eutanásia?

Somos contra. No espiritismo acredita-se na sobrevivência da alma. Matar o corpo não resolve pois o espírito continua vivo e a reencarnação é um resgate do passado. Um minuto de vida é vida; cada minuto de vida é um resgate.

2)  Mesmo se o paciente estiver sofrendo muito e sem chance de cura?

  O sofrimento do corpo enriquece o espírito, resgata seu passado. O arrependimento de uma pessoa que significa engradecimento pode vir a ser feito no último minuto e a Eutanásia, pode acabar impedindo esse arrependimento.
 No caso da morte cerebral, a morte é do corpo. O espírito ainda fica enlaçado com o corpo, esse desenlace é lento e deve ser respeitado para que não haja prejuízo do resgate.

3)  O senhor tem algum caso para nos contar?

 Uma jovem americana que já estando em coma durante muito tempo, seus aparelhos foram desligados, ficando além ainda viva por mais alguns anos. Isso prova que não era a hora de seu desencarne.
 

Conclusão

Este trabalho presta-se a examinar as linhas mestras que norteaim tão polêmico assunto contribui de certa forma, para a nossa concientização como futuros médicos.
Ao escolher a Medicina como nossa profissão temos como objetivo salvar as vidas. Praticar a Eutanásia é ir contra a vida.
Mesmo em casos terminais, como câncer e AIDS, mesmo a pedido do paciente ou da família, o dever do médico é sempre buscar a cura e não aceitar a morte. Os casos mais graves devem ser encarados como um desafio e um estímulo ao desenvolvimento da Medicina.
Praticar a Eutanásia resultaria na falência da moral Médica.
Os pacientes não confiariam mais em seus médicos e haveria dúvida quanto a sua verdadeira função.
A Medicina, infelizmente, não atingiu tamanho grau de perfeição que não admita erros de diagnóstico, não devemos esquecer que a Medicina é uma ciência biológica e não matemática e que o prognóstico que qualifica uma só uma opinião que, como humana, pode ser errônea.
 Se os homens não dão a vida, por que hão de tirá-la? Se a função da medicina é curar, aliviar sofrimentos, consolar, por que há ela de desanimar e matar? Enquanto há vida, existe esperança. O lema da humanidade deve ser homo res homini sacra, e não homo homini lupus. A extinção da vida não é uma tarefa humana.

Para finalizar, vamos relatar um caso verídico citado por Flamínio Fávero que dizia...

Em uma de suas memoráveis aulas, Estácio de Lima, citado por Flamínio Fávero, dizia que adoecera gravemente uma criança, a muitos quilômetros de Paris, anos atrás. Seu pai era médico e não se afastava do lado dela nem se descuidava de seu mal. Sua moléstia porém, era a terrível e incurável difteria, para a qual não havia remédio. Sofria esse homem duas vezes, o que é uma forma de sofrer mais: sofria como médico, e sofria como pai. Usou todos os recursos possíveis e imagináveis para salvar sua filhinha, mas a asfixia era progressiva e a cianose anunciava-se como sinal precursor da morte. Desesperado, consultava Paris através de seus maiores vultos e a resposta não vinha. Desesperado e sem meios, pois sabia que a cura era impossível e o sofrimento insuportável, pensou em amenizar aquela dor. E naquele resto de noite injetou na criança uma forte dose de ópio, e Anjo da Noite levou-a para o Vale das Sombras. Com o chegar do novo dia, vinha também de Paris um  comunicado que dizia: "Roux descobriu  o milagre. Segue o soro antidiftérico...".
Infelizmente, a Medicina não conta ainda com os milagres para a ressurreição.
 

 
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